OS IMPACTOS DO CORONAVÍRUS NO DIREITO DE FAMÍLIA

O surgimento dos casos de coronavírus no mundo desencadeou uma profunda crise, nunca vivida por esta geração. Neste momento, precisamos viver um dia de cada vez, sempre com cautela e empatia em todas as nossas relações.

Não há qualquer previsibilidade quanto ao futuro e a segurança jurídica, base da grande maioria das relações privadas, poderá ser afetada diante do atual contexto.

Embora tenhamos escutado muito sobre os impactos na economia, do colapso no sistema de saúde, a pandemia afeta não só as relações contratuais e interações negociais, mas igualmente diversas áreas do direito, como o Direito de Família, que sofre um grande impacto em muitos dos seus aspectos e institutos, clamando debates emergenciais.

Certamente as relações sociais não serão como antes.

A pandemia do coronavírus e o consequente estado de vigília em todo o mundo fizeram surgir uma variedade de casos relativos ao Direito das Famílias. O princípio do melhor interesse da criança e a prisão de devedores de alimentos estão entre as questões que tomaram o Poder Judiciário neste momento de alerta e precaução.

Como essas circunstâncias são excepcionais e sem precedentes na história recente não há previsão legal específica, no entanto, o presente artigo traz algumas alternativas e reflexões jurídicas sobre o tema.

Da pensão alimentícia.

Nesse aspecto, a primeira reflexão acerca da pandemia é sobre os impactos da crise na economia. Há toda uma mudança nas estruturas de mercado e, como a recomendação principal é o isolamento social, inevitável que muitos tenham sua renda mensal reduzida.

Apesar das inúmeras medidas adotadas pelo governo objetivando a manutenção dos empregos e o equilíbrio da economia, sabe-se que há grandes chances de que muitos acabem perdendo seus empregos, o que terá um impacto muito negativo, afetando em muito as relações do Direito de Família.

Diante dessas questões, como ficará, então, o pagamento da pensão alimentícia fixada em juízo?

Inicialmente, importante destacar, a redução dos rendimentos ou o desemprego, por si só, não serve como justificativa para a ausência do pagamento de alimentos, devendo ser respeitada a decisão judicial que tenha fixado os termos da pensão.

Não contribuir, pois, com nenhum valor, seja em dinheiro ou in natura, pode ser extremamente prejudicial aos filhos, ainda mais neste momento.

Encontrando-se os genitores em situação de desemprego ou com remuneração reduzida, o ideal seria buscar um meio de amenizar os danos aos filhos.

De um lado há o melhor interesse do menor em receber o essencial para a sua subsistência. De outro é preciso considerar o momento atual da sociedade, que impacta diretamente na situação financeira de todos.

Ademais, considerando que o dever de sustento continua sendo de ambos os genitores, importante pensar sobre a viabilidade de ter o auxílio, eventualmente, de familiares que possuem uma estabilidade financeira maior. Por exemplo, os avós, especialmente aqueles que recebem aposentadoria, ou possuem algum tipo de renda fixa. Porém, cada caso deve ser analisado de acordo com as particularidades da família, não havendo regras nesse sentido, muito menos diante da situação ora enfrentada.

Caso haja uma mudança significativa nos rendimentos do alimentante, em razão da crise, poderá pleitear judicialmente a revisão dos alimentos.

No entanto, o mais aconselhável, em especial neste momento, é a utilização do bom senso, com a formalização de um acordo provisório.

Ressaltamos, para uma maior segurança, o acordo deverá ser apresentado em juízo para homologação o quanto antes, mesmo porque, atualmente, muitos processos já são eletrônicos, e o acordo poderá, inclusive, ser protocolizado eletronicamente nos autos do processo, trazendo maior segurança jurídica ao acordado entre as partes.

No entanto, caso não seja viável o acordo com posterior homologação em juízo, a questão pode vir a ser deduzida em juízo em caráter de urgência, considerando as particularidades do momento e a eventual mudança na condição financeira do alimentante.

Da Prisão Civil do Devedor de Alimentos.

Um outro ponto importante, trata-se de um desdobramento das ações de alimentos que são os pedidos de prisão civil do devedor de alimentos.

Por decisão do Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, o Ministro Dias Toffoli, por meio da Resolução nº 313 de 19 de março de 2020, suspendeu os prazos processuais em todo o País até o dia 30 de abril de 2020. No entanto, a referida resolução não faz qualquer menção a respeito das ações de alimentos quanto à continuidade dos prazos.

Desde então algumas dúvidas começaram a surgir, dentre elas: a prisão civil do devedor de alimentos, em regime fechado, deve ser deferida no presente momento de crise? Como deve ser a decisão a respeito daqueles que se encontram presos por este motivo?

A Ministra Nancy Andrighi, do Superior Tribunal de Justiça, em decisão veiculada no próprio site da Corte, em 19 de março último, determinou que um devedor de alimentos deixasse a prisão civil em regime fechado e passasse ao regime de prisão domiciliar, como medida de contenção da pandemia causada pela COVID-19.

Em sua decisão, a Ministra Nancy Andrighi seguiu, portanto, a Recomendação 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que em seu artigo 6º autorizou a substituição da prisão em regime fechado do devedor de alimentos pelo regime domiciliar, buscando a redução dos riscos epidemiológicos, evitando assim a propagação da doença.

Há também o Projeto de Lei 1.179/2020, aprovado na última sexta feira (03/04/2020), no Plenário do Senado, mas ainda pendente de votação na Câmara dos Deputados, que trata da suspensão temporária de algumas leis do Direito Privado enquanto durar a epidemia do Coronavírus, dentre as quais, no artigo 22 temos a determinação de que as prisões por dívida alimentícia deverão ser executadas em domicílio até 31 de outubro de 2020.

Assim sendo, de fato, diante de graves problemas que atingem o sistema prisional no País, a determinação da prisão do devedor de alimentos, muitas vezes, sem real potencial ofensivo, poderá aumentar ainda mais a crise institucional dos presídios e em certa medida a saúde de todos.

Note-se, o art. 528, § 3º e 4º do Código de Processo Civil, ao mencionar a prisão civil em regime fechado não traz qualquer exceção ou alternativa a tal medida.

O atual momento impõe que os profissionais estejam atentos a outras formas de exigir o pagamento da pensão alimentícia, já que a prisão civil deverá ser decretada em último caso, visando seja garantida a saúde ao maior número de pessoas possível.

Nesse ponto, importante destacar que a doutrina e a jurisprudência já vinham mitigando a possibilidade de prisão civil em algumas hipóteses específicas, como naquelas envolvendo pessoas idosas como devedores.

Ademais, algumas alternativas para a prisão já estavam sendo aplicadas pelos juízes com fundamento no artigo 139, IV do CPC, determinando a retenção de documentos, tais como passaporte e carteira de motorista.

No mesmo sentido de mitigação, no âmbito doutrinário, o Enunciado n. 599, aprovado na VII Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, ao tratar dos alimentos devidos pelos avós estabeleceu: ” Deve o magistrado, em sede de execução de alimentos avoengos, analisar as condições do(s) devedor(es), podendo aplicar medida coercitiva diversa da prisão civil ou determinar seu cumprimento em modalidade diversa do regime fechado (prisão em regime aberto ou prisão domiciliar), se o executado comprovar situações que contraindiquem o rigor na aplicação desse meio executivo e o torne atentatório à sua dignidade, como corolário do princípio de proteção aos idosos e garantia à vida. ”

Portanto, acreditamos que a pandemia irá acelerar o entendimento que já vinha sendo aplicado acerca da responsabilização civil e da utilização de penalidades tão caras para assegurar a força coercitiva do Direito de Família.

Neste momento, a tendência é o fortalecimento de ideias de colaboração, de cooperação e de solidariedade. O mundo todo encontra-se reflexivo e não sabemos ainda o que vai acontecer. A única certeza é que nenhuma atitude dever ser tomada sem levar em consideração o atual momento, razão pela qual, praticar a empatia evitará muitas discussões extremamente desgastantes, em especial, na seara do Direito de Família.

Da Guarda Compartilhada e do Período de Convivência.

Mais uma vez ressaltamos que os genitores devem preservar o melhor interesse de seus filhos, evitando de todas as formas o possível contágio com o Coronavírus.

É direito-dever dos pais a visita e a convivência com os filhos. No entanto, em um momento de quarentena, como o que vivemos, deve-se evitar, ao máximo, o trânsito dos menores nas ruas, a fim de diminuir-lhes as chances de contágio.

A orientação é que o regime de convivência já pactuado, possa ser revisto, preferencialmente, de modo amigável, através de uma boa conversa entre os pais, na qual se verifique as condições de trabalho dos genitores e os potenciais riscos aos menores, levando-se em conta, sempre, a segurança e a saúde dos filhos. Neste momento, nada poderá estar acima do bem estar e saúde dos menores.

A legislação nos termos do artigo 227 da Constituição da República e dos artigos 5º e 7º do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como as decisões dos Tribunais visam, sempre, o melhor interesse do menor, principalmente, com relação à sua saúde, seja física, mental ou psicológica. Os pais devem agir com bom senso e as visitas, nesse momento, podem ser substituídas por ligações telefônicas, chamadas de vídeo, mantendo-se sempre presentes e em contato com os filhos.

O comportamento dos pais é importantíssimo para que os filhos entendam que melhores dias virão, e que não há nada que os afaste do convívio com os pais, mesmo que, neste momento, o contato seja de forma virtual. A mensagem transmitida pelos pais deve ser sempre de que a situação atual é passageira e que em breve tudo voltará ao normal.

Importante sopesar que em alguns casos, o fato do trabalho de um dos pais o deixar mais exposto ao risco de contágio, como, no caso de um profissional da área de saúde, ou outro serviço essencial, poderá de fato impedir a presença física dele neste momento, cabendo ao outro genitor suprir essa ausência e explicar as razões do distanciamento do genitor ausente.

Nestes casos, independentemente da guarda vigente, e do lar de referência dos filhos, os pais poderão, através do diálogo, alterá-lo, provisoriamente, de modo que a criança ou o jovem não se exponham ao contágio, levando-se, sempre, em conta, as medidas vigentes sobre o isolamento social.

De outro modo, caso ambos os pais trabalharem de forma remota (homeoffice), e tendo, ambos, a disponibilidade de ficar em casa com os filhos, poderão dividir os períodos de convivência, contudo, levando-se em conta a viabilidade desta decisão, face às possibilidades de contágio do COVID-19. No entanto, caso haja riscos no deslocamento de uma residência para outra, os menores deverão permanecer no lar que lhes ofereça a maior segurança à sua saúde.

Mais uma vez ressaltamos que o bom senso, o diálogo, a segurança e o bem estar dos filhos deverão ser, sempre, a melhor maneira para condução de toda e qualquer ação que os pais possam tomar com relação às visitas e demais períodos de convivência, adotando-se meios alternativos, quando a situação assim o exigir.

Diante das colocações aqui elencadas, devemos sempre lembrar que crises são oportunidades e, no Direito de Família, os efeitos trazidos pela COVID-19, certamente, serão uma oportunidade para que sejam revistas, repensadas e aperfeiçoadas todas as relações, em especial, as familiares.

Polyanna Lopes Loureiro Vaz[1]
Advogada inscrita na OAB/RJ 180.870
Rio de Janeiro, 06 de abril de 2020.

 

[1] Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Veiga de Almeida. Bacharel em Direito pela Universidade de Vila Velha – UVV – ES. Advogada.
E-mail: polyanna@melloelopes.com.br

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